Adiantando os riscos de um IPO com Social Listening: o caso Didi

A Didi Global é uma empresa conhecida como “Uber da China”. Mas, para além de um aplicativo de caronas que opera no mercado nacional e internacional, a Didi tem outras iniciativas que ajudam a levantar o seu valor de mercado. Em primeiro lugar, o grupo tem a maior frota de carros in leasing da China. Ou seja, ele financia os carros de seus próprios motoristas com taxas abaixo do valor de mercado. Em segundo lugar, o grupo tem participação em postos de recargas de veículos elétricos e tem uma marca própria de veículos elétricos, o que o coloca na vanguarda desse mercado.

A Didi Global se tornou uma empresa de capital aberto no dia 30 de junho de 2021. O preço inicial de suas ações foi de US$ 14, e a empresa conseguiu captar US$ 4,4 bilhões. Todavia, apesar da exaltação inicial sobre a Didi, o valor de suas ações caiu significativamente alguns dias depois do IPO na bolsa de valores de Nova York.

O que levou à queda do preço das ações foi uma determinação do governo chinês. Alegando que a Didi poderia estar violando regulações sobre privacidade no tratamento dos dados de seus clientes, a agência de cyber segurança da China abriu uma investigação e impediu que o aplicativo fosse baixado por novos usuários no país. A Didi coleta informações sobre a localização e o itinerário de seus usuários, além de ter câmeras instaladas em seus carros que monitoram as condições das estradas na China. 

No passado, a agência de cyber segurança da China já havia iniciado uma investigação sobre a política de privacidade do Ant Group dias antes de sua abertura de capital. O timing dessas investigações sugere que o governo da China quer impedir que dados de usuários chineses sejam compartilhados internacionalmente, e coloca a questão como prioridade de segurança nacional.

Quando o governo chinês impediu que novos usuários baixassem o aplicativo da Didi, agências de mídia reportaram que o grupo já sabia que esse era um risco antes do IPO, mas decidiu dar seguimento à abertura de capital do mesmo modo. Essa falha na avaliação de risco custou caro: investidores iniciaram uma ação judicial coletiva contra o grupo em julho, o que levou a quedas ainda maiores nos preços das ações. A ação judicial alega que a empresa falhou ao não divulgar que não cumpria as leis de privacidades chinesas e já havia sido alertada pelo governo que deveria adiar o IPO até se adequar a elas. Os investidores buscam reparação por conta dessa falha.

Resultados financeiros não determinam o valor das ações em bolsas de valores sozinhos. Como fica claro no caso da Didi, a adequação a princípios que regem a atuação responsável de empresas tem uma parte importante no sucesso de IPOs.

ESG é a sigla que define essa atuação responsável. Environmental, sua primeira letra, representa a atuação de empresas em relação ao uso de energia, gestão de resíduos e mudança climática. A letra S significa social: a responsabilidade das empresas nas relações de trabalho e a conformidade com os direitos humanos, inclusão e diversidade. Por fim, a letra G se refere a governance e inclui compliance e ética comercial na condução dos negócios.

O caso da Didi apresenta uma falha previsível no pilar da governança. Inclusive, a proteção dos dados e da privacidade dos clientes é um dos critérios que influencia a percepção do mercado sobre a atuação das empresas na letra G de ESG. Ao negligenciar a conformidade de suas práticas com as leis de privacidade chinesas, a Didi se expôs aos problemas que vieram a seguir, perdendo grande valor de mercado. Como investidores valorizam a conformidade a práticas ESG, o resultado do IPO da Didi foi insuficiente.

Como um dos IPO’s mais esperados do ano resultou em uma crise dessa magnitude? Já era possível adiantar esse risco? Sim, de acordo com a plataforma de social listening da A_Estratégia. Para ouvir a percepção do mercado sobre o IPO da Didi antes que ele acontecesse, A_Estratégia monitorou as discussões sobre o assunto nos últimos 150 dias em redes sociais e na web em geral. No período, mais de 10.700 publicações foram feitas sobre o tema–a maioria em veículos da mídia.

Para entender o peso das práticas ESG nas discussões sobre a Didi, A_Estratégia classificou o debate virtual em três dimensões, a depender das palavras usadas nas publicações: environmental, social and governance.

Ao longo de todo o período–inclusive a crise que se desenrolou no mês de julho, após o IPO–73% das publicações que se referiam às práticas ESG do grupo Didi diziam respeito ao seu pilar de governança. Entre as publicações sobre a governança do grupo chinês, 24% foram caracterizadas como negativas–indicando crítica a essa dimensão. Além disso, em uma comparação entre o preço das ações da Didi e a discussão sobre a governança da empresa no ambiente virtual, vemos que, enquanto a Didi se desvalorizava na bolsa de valores, o debate sobre sua governança crescia.

Evolução do volume das discussões sobre o IPO da Didi, divido pela dimensão do ESG comentada. Fonte: Brandwatch via Polis Consulting
Porcentagem de cada dimensão do ESG discutida nas redes sociais sobre o IPO da Didi. Fonte: Brandwatch via Polis Consulting
Divisão do tipo de sentimento associação à dimensão governança nas discussões sobre o IPO da Didi. Fonte: Brandwatch via Polis Consulting

Todavia, o poder do social listening está em identificar percepções veladas e adiantar potenciais crises. Por essa razão, A_Estratégia focou sua análise no período anterior à abertura de capital do grupo Didi. O que ambiente virtual indicava nos meses anteriores ao IPO?

Entre abril e junho de 2021, A_Estratégia identificou pelo menos 3 discussões relevantes que já adiantavam a preocupação do mercado com a dimensão de governança do IPO da Didi.

Abril

Em abril de 2021, as menções totais nas redes sociais e na web sobre o grupo Didi não atingiram nenhum pico significativo. Mesmo assim, as poucas publicações feitas nesse mês tiveram um sentimento majoritário negativo, associado à dimensão de governance.

Sentimento geral em relação à dimensão governança por mês associado às discussões sobre o IPO da Didi. Fonte: Brandwatch via Polis Consulting

Em abril, o governo chinês criou novas regulações para empresas de tecnologia e convocou 13 empresas – inclusive o grupo Didi – para um encontro com o Banco Central do país. As novas regulações se referiam também à transparência na coleta de dados de consumidores. O acontecimento foi divulgado e gerou análises sobre o futuro IPO do grupo.

Por exemplo, no dia 24 de abril, a Bloomberg publicou uma matéria sobre os riscos que incorrem as empresas chinesas que são listadas nos EUA (“Chinese Firms Are Listing in the U.S. at a Record-Breaking Pace”). A matéria menciona a Didi nominalmente ao se referir ao seu futuro IPO, e já discute a dificuldade que empresas chinesas encontrarão ao tentarem se adequar às regulações dos dois países simultaneamente.

No dia 30 de abril, o blog de finanças Silicon Republic repercutiu as novas regulações impostas pelo governo chinês e analisou as dificuldades no IPO da Didi (“China’s Tech Clampdown Intensifies on Fintech”).

Essas duas matérias foram replicadas diversas vezes por blogs de finanças menos conhecidos. Dada a distância até o IPO da Didi, que só aconteceria no final de junho, as menções sobre o tema foram escassas. Mesmo assim, a análise do comportamento das redes indica que as mudanças nas regulações impostas pelo governo chinês foram levantadas pelo mercado como um risco possível ao IPO da Didi ainda em abril. Além disso, essas matérias e esses temas voltaram a repercutir em junho, mês em que o sentimento das redes sobre o tema se torna negativo novamente.

Junho

No começo de junho, com a proximidade do IPO, as menções sobre o grupo Didi e sobre os riscos em relação à proteção de dados aumentaram. No dia 07/06 a CNBC publicou uma matéria sobre o IPO que destaca os riscos na adequação do grupo a práticas regulatórias de privacidade de dados (“Ride-Hailing Giant Didi Wants to be More than Just the Uber Of China”). A matéria teve ampla repercussão em veículos que cobrem o mercado financeiro e replicações em cascata. A_Estratégia identificou que a matéria foi replicada por pelo menos 14 veículos, entre sites de notícias e blog de finanças.

Entre os pontos levantados pela publicação do início de julho estava a frase:

“O aumento do escrutínio do governo chinês sobre as empresas de tecnologia em relação às práticas monopolistas e o escrutínio regulatório geral sobre a privacidade de dados […] são riscos”.

Pré-IPO

Finalmente, no final de junho, há apenas alguns dias do IPO, as menções ao grupo Didi cresceram. Novamente, o sentimento foi negativo em relação a dimensão governança.

Nesse período, blogs e jornais relacionados ao mercado financeiro voltaram a repercutir os riscos envolvidos nas mudanças regulatórias impostas pelo governo chinês em abril. Uma das matérias com maior repercussão foi publicada pelo Business Telegraph e já adiantava os problemas do IPO (“Didi IPO And China’s Big Tech Warning Signs”). Essa matéria foi replicada por pelos menos outros 5 veículos.

As discussões sobre a dimensão governança do grupo Didi começaram a crescer antes da crise iniciada pelas restrições importas pelo governo chinês. Na realidade, o início da onda de menções que resultou no pico, em julho, pode ser creditado às discussões sobre o risco à privacidade de dados que aconteceram antes da explosão da crise. Dessa forma, era possível prever a percepção do mercado em relação às práticas ESG da Didi e aos riscos do IPO antes da queda nos preços das ações.

Conclusão

Atores do mercado financeiro já reconheciam o risco no IPO da Didi pelo menos desde abril. Com a mudança nas regulações impostas pelo governo chinês em abril e a percepção de que a China considera a privacidade de dados de seus cidadãos como uma questão de interesse nacional, era previsível que o grupo Didi enfrentaria desafios nessa dimensão. As matérias dos meses anteriores ao IPO mencionam que outros grupos chineses também tiveram problemas com o governo chinês ao buscarem abrir seu capital internacionalmente.

O problema com a regulação e a proteção de dados no grupo Didi não foi amplamente discutido no ambiente online até os dias anteriores à abertura de capital. Ao contrário, as menções em abril e no início de junho são discretas. Apesar disso, o tema já estava sendo discutido em blogs e canais de notícias especializados em finanças. Ouvir o que as redes têm a dizer, mesmo quando o debate é especializado e discreto, é um diferencial da plataforma de social listening da A_Estratégia. Ao ouvir as redes, já era possível adiantar a percepção dos atores do mercado sobre o pilar de governança da Didi e adiantar os riscos do IPO.

Fontes:

  • https://www.moneytimes.com.br/conheca-a-didiuber-chinesa-que-fez-ipo-nos-estados-unidos/
  • https://apnews.com/article/china-technology-business-331f021bc6f253409c6bc555f3572148
  • https://www.dw.com/en/didi-china-blocks-ride-hailing-app-over-privacy-breach/a-58156362
  • https://www.reuters.com/technology/what-is-driving-chinas-clampdown-didi-data-security-2021-07-07/
  • https://finance.yahoo.com/news/didi-deadline-shareholders-substantial-losses-160300870.html

Sobre A_Estratégia

Por meio de Social Listening, ajudamos os nossos clientes a compreender o mundo ao seu redor, amplificando as conversas e os temas em pauta no ambiente digital para identificar insights, oportunidades e tendências. 

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2 Comments

  1. Excelente estudo, realmente, traz a luz pontos cruciais dos quais as marcas devem se preocupar, não só em cenários de IPO, mas em seu dia a dia.

  2. Adorei o artigo, muito didático e bem explicado.
    Ficou show!


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